Sei que o assunto está atrasado, mas no dia 25 de
agosto de 2011 a Federação Catarinense de Futebol (FCF) anunciou, por meio de
nota pública no site oficial da FCF, que não estaria permitida a manifestação
contra o dirigente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Senhor
Ricardo Teixeira, no clássico Figueirense x Avaí no Estádio Orlando Scarpelli.
Que os manifestantes não poderiam entrar no Estádio e caso estivesse dentro
seriam retirados, se possível, por força policial.
A FCF se baseou no artigo 13-A, inciso IV, do Estatuto do Torcedor,
instituído pela Lei n.º 10.671, de 15 de maio de 2003. Tal dispositivo tem a seguinte
redação:
"Art. 13-A. São condições de
acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras
condições previstas em lei:
[...]
IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras,
símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista
ou xenófobo; [...]" (BRASIL, 2011).
De fato, não pode ser admitida a ostentação de
ofensas às pessoas, sejam dirigentes de agremiações esportivas, ou de quaisquer
cidadãos. Porém, o que o público pretendia fazer era uma manifestação frente às
notícias de corrupção na CBF, notadamente do seu dirigente, Ricardo Teixeira.
Não havia cunho de ofensa desmedida por parte dos manifestantes, nem cunho
racista ou xenofóbico.
Segundo o Dicionário Priberam (2011), racismo tem
o significado de "sistema que afirma a superioridade de
um grupo racial sobre os outros, preconizando, particularmente, a separação
destes dentro de um país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de
uma minoria (racismo anti-semita dos nazis)".
Quanto à terminologia xenofobia, o Dicionário
supracitado informa que significa "aversão aos
estrangeiros". Contudo, essa expressão não tem somente este significado no
mundo informal. Segundo Freitas ([2002-2010]), "xenofobia é uma palavra de origem grega que significa antipatia ou
aversão a pessoas e objetos estranhos [...]. A xenofobia como preconceito
acontece quando há aversão em relação à raça, cultura, opção sexual,
etc."
Como se pode ver, o Estatuto de Defesa do Torcedor
tem a intenção de proibir as práticas racistas e preconceituosas, vedação que deve ser realizada não apenas no mundo esportivo, mas em qualquer parte da
civilização.
Realizada a análise das palavras, manifestação é
prática de racismo ou xenofobia? Manifestar contra uma direção de uma
personalidade jurídica se compara com prática de racismo ou xenofobismo? Se a prática
dos atos de manifestação tivesse cunho apenas de chamar o dirigente da CBF de
macaco, de imprestável por sua idade, cor, raça, credo, ou quaisquer outras
formas de discriminação, a nota pública que a FCF teria total previsão legal e
constitucional, mas não foram essas as intenções dos manifestantes, que pediram apenas transparência nas conduções esportivas, principalmente quando envolver verba pública. Que haja não só a transparência em si, mas seus elementos, como a publicação dos gastos.
A manifestação tomou força com a referida nota
pública, tendo o repúdio de várias personalidades do mundo jurídico, e de todos
os cidadãos que tomaram ciência da atrocidade cometida pelo anunciante.
O direito de manifestação é constitucional, não podendo nenhum ato
legal, administrativo ou jurídico tolher tal preceito. Está previsto
no artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, que dispõe: "é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Certamente
não havia anonimato na manifestação, todos estavam "dando a cara para
bater".
Como nem toda manifestação tem caráter proporcional e razoável ao
praticado por uma pessoa, aquele que se sentir ofendido pela manifestação terá
o seu direito de resposta resguardado, conforme o inciso posterior.
Logo, não cabia à FCF tolher o direito de manifestação, ainda mais sem
saber o conteúdo do que estaria escrito nas faixas e quaisquer outros meios
utilizados no manifesto. Caberia sim, aos ofendidos, no caso em tela o Senhor
Ricardo Teixeira (se realmente se sentisse ofendido), se utilizar do seu
direito de resposta proporcional ao agravo, além de adentrar com ação de
reparação por danos materiais, morais e de imagens, caso tivesse havido algum
dano.
No caso em concreto, para assegurar o direito de liberdade de expressão e de
manifestação, constitucionalmente protegido, além de ser elevado a direito
fundamental também em diversos Tratados Internacionais, o Ministério Público
Federal de Santa Catarina (MPF-SC) recomendou que a FCF retirasse a nota
pública que proibia a manifestação. Não obstante a recomendação feita, o MPF-SC
e a Defensoria Pública da União (DPU) adentraram com uma Ação Civil Pública,
direcionada para a Justiça Federal.
Tal acontecimento pode gerar algumas dúvidas ao leitor. Poderia a Ação
Civil Pública com pedido de urgência e liminar ter sido ajuizada na Justiça
Federal se a entidade coatora é estadual? A resposta é afirmativa, desde que
sendo verificada a casuística. Em geral a competência para julgar ações de
entidades ou personalidades jurídicas estaduais, seria da justiça comum. Entretanto,
vale ressaltar que o MPF-SC e a DPU tomaram para si a ação e ajuizaram na
Justiça Federal com escopo no Artigo 109, inciso III da Constituição Federal,
pois a atitude da FCF atentaria aos Tratados e Convenções Internacionais
assinados entre a União e Estado Estrangeiro ou organismo internacional. Logo,
não poderia ser decretada a incompetência do juízo.
Felizmente fora concedida a liminar requerida na Ação Civil
Pública, salvaguardando o direito fundamental. Tal decisão foi
prolatada pelo juiz federal substituto Luciano Andraschko, impondo multa de 100
mil reais pelo descumprimento da decisão.
Não obstante a decisão deferindo a liminar, caberia a todo e qualquer
cidadão impetrar o remédio constitucional do "habeas-corpus", haja
vista a proibição ter reflexos no direito de locomoção, nos termos do artigo
5º, inciso LXVIII, da Carta Magna, por ter havido abuso de poder por parte do
dirigente da FCF (ou ainda, a ilegalidade do ato). Em não afetando o direito de
locomoção, seria cabível outro remédio constitucional, o mandado de segurança,
conforme artigo 5º, LXIX do mesmo diploma legal.
Conclusão
O ato de manifestação por parte de torcedores
contra um dirigente de entidade esportiva não se confunde com práticas de racismo
ou de xenofobismo. Todo ato de manifestação e direito de liberdade de expressão
deve ser respeitado, desde que não se tenha abuso de direito. Se alguém se
sentir ofendido com tal manifestação, o mesmo que exerça seu direito de
resposta proporcional ao agrado acometido.
Todo ato de malemolência que tenha o cunho de
tolher direito de liberdade de expressão deve ser repelido, seja por ato
administrativo, institucional ou necessitando de decisão judicial. Neste
ínterim, cabe aos legitimados da ação civil pública ajuizar a referida ação
para salvaguardar os direitos fundamentais, assim como a todo cidadão, que
estiver em situação de sofrer ameaça de direito, em impetrar as referidas
ações, no caso da FCF um "habeas-corpus", pois havia a possibilidade
de não poder exercer o direito de ir e vir. Nos demais casos em que não pudesse
ser impetrado o "habeas-corpus", valer-se-ia da impetração do mandado
de segurança.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, 5 out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 7 set. 2011.
______. Lei n.º 10.671, de 15 de maio de 2003.
Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 maio
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.671.htm>. Acesso em: 7 set. 2011.
DICIONÁRIO PRIBERAM. Racismo. [São
Paulo], 2011. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=rasicmo>. Acesso em: 7 set. 2011
______. Xenofobia. [São Paulo],
2011. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=xenofobia>.
Acesso em: 7 set. 2011.
FREITAS, Eduardo de. Xenofobia. Brasília: Brasil
Escola, [2002-2010]. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/doencas/xenofobia.htm>.
Acesso em: 7 set. 2011.
parabéns amigo, gostei muito.
ResponderExcluirObrigado amigo. Em breve teremos mais textos jurídicos.
ResponderExcluirParabéns Gilvan, mto bom seu texto =)
ResponderExcluirObrigado Márcio!
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