quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Federação Catarinense de Futebol e a vedação de manifestação


Sei que o assunto está atrasado, mas no dia 25 de agosto de 2011 a Federação Catarinense de Futebol (FCF) anunciou, por meio de nota pública no site oficial da FCF, que não estaria permitida a manifestação contra o dirigente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Senhor Ricardo Teixeira, no clássico Figueirense x Avaí no Estádio Orlando Scarpelli. Que os manifestantes não poderiam entrar no Estádio e caso estivesse dentro seriam retirados, se possível, por força policial.


A FCF se baseou no artigo 13-A, inciso IV, do Estatuto do Torcedor, instituído pela Lei n.º 10.671, de 15 de maio de 2003. Tal dispositivo tem a seguinte redação: 

"Art. 13-A.  São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
[...]
IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo; [...]" (BRASIL, 2011).

De fato, não pode ser admitida a ostentação de ofensas às pessoas, sejam dirigentes de agremiações esportivas, ou de quaisquer cidadãos. Porém, o que o público pretendia fazer era uma manifestação frente às notícias de corrupção na CBF, notadamente do seu dirigente, Ricardo Teixeira. Não havia cunho de ofensa desmedida por parte dos manifestantes, nem cunho racista ou xenofóbico.

Segundo o Dicionário Priberam (2011), racismo tem o significado de "sistema que afirma a superioridade de um grupo racial sobre os outros, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria (racismo anti-semita dos nazis)".

Quanto à terminologia xenofobia, o Dicionário supracitado informa que significa "aversão aos estrangeiros". Contudo, essa expressão não tem somente este significado no mundo informal. Segundo Freitas ([2002-2010]), "xenofobia é uma palavra de origem grega que significa antipatia ou aversão a pessoas e objetos estranhos [...]. A xenofobia como preconceito acontece quando há aversão em relação à raça, cultura, opção sexual, etc." 

Como se pode ver, o Estatuto de Defesa do Torcedor tem a intenção de proibir as práticas racistas e preconceituosas, vedação que deve ser realizada não apenas no mundo esportivo, mas em qualquer parte da civilização. 

Realizada a análise das palavras, manifestação é prática de racismo ou xenofobia? Manifestar contra uma direção de uma personalidade jurídica se compara com prática de racismo ou xenofobismo? Se a prática dos atos de manifestação tivesse cunho apenas de chamar o dirigente da CBF de macaco, de imprestável por sua idade, cor, raça, credo, ou quaisquer outras formas de discriminação, a nota pública que a FCF teria total previsão legal e constitucional, mas não foram essas as intenções dos manifestantes, que pediram apenas transparência nas conduções esportivas, principalmente quando envolver verba pública. Que haja não só a transparência em si, mas seus elementos, como a publicação dos gastos.

A manifestação tomou força com a referida nota pública, tendo o repúdio de várias personalidades do mundo jurídico, e de todos os cidadãos que tomaram ciência da atrocidade cometida pelo anunciante. 

O direito de manifestação é constitucional, não podendo nenhum ato legal, administrativo ou jurídico tolher tal preceito. Está previsto no artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, que dispõe: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Certamente não havia anonimato na manifestação, todos estavam "dando a cara para bater".

Como nem toda manifestação tem caráter proporcional e razoável ao praticado por uma pessoa, aquele que se sentir ofendido pela manifestação terá o seu direito de resposta resguardado, conforme o inciso posterior.

Logo, não cabia à FCF tolher o direito de manifestação, ainda mais sem saber o conteúdo do que estaria escrito nas faixas e quaisquer outros meios utilizados no manifesto. Caberia sim, aos ofendidos, no caso em tela o Senhor Ricardo Teixeira (se realmente se sentisse ofendido), se utilizar do seu direito de resposta proporcional ao agravo, além de adentrar com ação de reparação por danos materiais, morais e de imagens, caso tivesse havido algum dano.

No caso em concreto, para assegurar o direito de liberdade de expressão e de manifestação, constitucionalmente protegido, além de ser elevado a direito fundamental também em diversos Tratados Internacionais, o Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC) recomendou que a FCF retirasse a nota pública que proibia a manifestação. Não obstante a recomendação feita, o MPF-SC e a Defensoria Pública da União (DPU) adentraram com uma Ação Civil Pública, direcionada para a Justiça Federal.

Tal acontecimento pode gerar algumas dúvidas ao leitor. Poderia a Ação Civil Pública com pedido de urgência e liminar ter sido ajuizada na Justiça Federal se a entidade coatora é estadual? A resposta é afirmativa, desde que sendo verificada a casuística. Em geral a competência para julgar ações de entidades ou personalidades jurídicas estaduais, seria da justiça comum. Entretanto, vale ressaltar que o MPF-SC e a DPU tomaram para si a ação e ajuizaram na Justiça Federal com escopo no Artigo 109, inciso III da Constituição Federal, pois a atitude da FCF atentaria aos Tratados e Convenções Internacionais assinados entre a União e Estado Estrangeiro ou organismo internacional. Logo, não poderia ser decretada a incompetência do juízo.

Felizmente fora concedida a liminar requerida na Ação Civil Pública, salvaguardando o direito fundamental. Tal decisão foi prolatada pelo juiz federal substituto Luciano Andraschko, impondo multa de 100 mil reais pelo descumprimento da decisão.

Não obstante a decisão deferindo a liminar, caberia a todo e qualquer cidadão impetrar o remédio constitucional do "habeas-corpus", haja vista a proibição ter reflexos no direito de locomoção, nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna, por ter havido abuso de poder por parte do dirigente da FCF (ou ainda, a ilegalidade do ato). Em não afetando o direito de locomoção, seria cabível outro remédio constitucional, o mandado de segurança, conforme artigo 5º, LXIX do mesmo diploma legal.

Conclusão

O ato de manifestação por parte de torcedores contra um dirigente de entidade esportiva não se confunde com práticas de racismo ou de xenofobismo. Todo ato de manifestação e direito de liberdade de expressão deve ser respeitado, desde que não se tenha abuso de direito. Se alguém se sentir ofendido com tal manifestação, o mesmo que exerça seu direito de resposta proporcional ao agrado acometido.

Todo ato de malemolência que tenha o cunho de tolher direito de liberdade de expressão deve ser repelido, seja por ato administrativo, institucional ou necessitando de decisão judicial. Neste ínterim, cabe aos legitimados da ação civil pública ajuizar a referida ação para salvaguardar os direitos fundamentais, assim como a todo cidadão, que estiver em situação de sofrer ameaça de direito, em impetrar as referidas ações, no caso da FCF um "habeas-corpus", pois havia a possibilidade de não poder exercer o direito de ir e vir. Nos demais casos em que não pudesse ser impetrado o "habeas-corpus", valer-se-ia da impetração do mandado de segurança.


REFERÊNCIAS:


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 7 set. 2011.


______. Lei n.º 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 maio 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.671.htm>. Acesso em: 7 set. 2011.


DICIONÁRIO PRIBERAM. Racismo. [São Paulo], 2011. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=rasicmo>. Acesso em: 7 set. 2011


______. Xenofobia. [São Paulo], 2011. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=xenofobia>. Acesso em: 7 set. 2011.


FREITAS, Eduardo de. Xenofobia. Brasília: Brasil Escola, [2002-2010]. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/doencas/xenofobia.htm>. Acesso em: 7 set. 2011.

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