Dia 26 de setembro começa uma nova novela da Rede Globo. Entre os temas
abordados está o Exame de Ordem e a necessidade de aprovação para exercer a
profissão de advogado.
O tema pode ser importante, mas corre sérios riscos, a depender do
desenrolar da trama. O personagem será Marcos, vivido por Angelo Antônio. Ele
teria feito um acordo com a esposa de que cuidaria da família (casa e filhos)
enquanto a mulher trabalharia para sustentar. Acontece que, como na vida real,
o status financeiro da família não permanece o mesmo com o decorrer dos anos. Pela
necessidade de maior poder aquisitivo para a manutenção da família e os
aumentos dos gastos, a esposa passa a pedir ao marido que o ajude nas despesas
da casa. Todavia, ele precisa passar no Exame de Ordem da OAB para ter uma
profissão.
Como já transmitido nos folhetins, a personagem da esposa critica o marido
por ser preguiçoso e não se esforçar para ser aprovado no Exame. Este é o
problema, a possibilidade de estigmatização dos reprovados no Exame de Ordem. Corre
o risco de todos os reprovados passarem a ser taxados de “preguiçosos” e “descomprometidos
com os estudos”, o que não é verdade.
O jeito é esperar para ver o que a forma como a trama das seis abordará. Sabemos
ainda que, com os episódios e a audiência, os rumos dos personagens sempre
mudam. Pode ser que o tema do Exame de Ordem seja somente inicial, ou que seja
tratado na trama toda. Pode ser que coloquem outros personagens passando pelo
mesmo problema da reprovação no Exame, mas sem serem preguiçosos. Isso dependerá
da boa vontade dos autores, da rede televisiva, e também da audiência. Vamos
ter que esperar mesmo.
Mas falando sobre o Exame. De fato, há muitos descomprometidos com os
estudos que são reprovados no Exame de Ordem, além de faculdades que não
ensinam corretamente, nem preparam seus acadêmicos para o mundo do trabalho. Mas
custa dizer que isso é da extrema maioria. Há muitas conotações acerca do Exame
de Ordem que muitos não querem falar.
O mercado de trabalho está saturado. Disso a maioria já sabe. Mas o fato de
dizer que as faculdades não preparam os acadêmicos para o trabalho é contestável.
A Ordem dos Advogados do Brasil exerce um poder ímpar na sociedade. É a única
ordem (ou classe trabalhista) referenciada na Constituição Federal. Tal
acontecimento se faz devido à extrema necessidade da imperiosidade da justiça. Esta
Ordem tem o dever, inclusive, de corroborar com o Ministério da Educação e
Cultura (MEC) na aprovação das faculdades. Isso se faz por meio de pareceres. A
OAB se queixa de muitas faculdades terem suas autorizações e reconhecimentos sem
o aval da OAB, que dá parecer contrário. Todavia, há de se questionar os reais
motivos dos pareceres desfavoráveis. Se os mesmos são meramente com cunho políticos
ou sociais. Caso sejam pela falta de qualidade estrutural ou física, estas
faculdades sequer deveriam ser autorizadas, muito menos reconhecidas. Caso
tenham cunho político ou de perseguição, pode ser averiguado.
O que há de se questionar é o que a OAB faz para cassar estas faculdades. Não
vejo sendo feito nada. Desconheço qualquer tipo de Ação Judicial para fechar
essas mantenedoras da péssima qualidade de ensino. Então, a OAB tem o Exame de
Ordem, que com a reprovação, cada vez maior, serve de escopo para a manutenção
do próprio Exame. (Obs.: se alguém conhece alguma ação judicial da OAB para
fechar alguma faculdade em que deu o parecer desfavorável para autorização e
reconhecimento que, por favor, avise. Estarei de prontidão para me redimir pela
falta de conhecimento específico).
Outro ponto intrigante é que a maioria dos professores dessas faculdades são
advogados. Muitos são juristas de outras profissões (tecnicamente seriam
cargos, vistos que são todos públicos, já que a única profissão privada
exercida por um bacharel em Direito é a advocacia). Estes professores (advogados
e demais juristas) estariam desqualificados para lecionarem os acadêmicos de
Direito a terem uma dignidade mínima para o exercício da profissão? Por que
estes professores aprovariam seus alunos se entendem que eles não estão preparados?
Em que lugar ficou a Ética profissional da busca da justiça? Mas eles são
advogados, pertencem ao quadro da Ordem (mesmo os de alguns cargos, como
Defensores Públicos, Advogados da União, etc.). Estão aí alguns dos motivos
pelo qual podem ser mantidas as faculdades mequetrefes. Ninguém quer tirar
alguma vantagem daqueles que são seus.
E quem não apostaria na péssima qualidade do ensino mercadológico? Digo,
alguém já reparou que muitos dos mantenedores das faculdades de Direito tem
seus próprios cursinhos preparatórios ou coligações com os mesmos? Será que o mau
ensino não é proposital para a manutenção da máquina de cursinhos existentes no
país e crescem na mesma tomada do crescimento absurdo de faculdades de Direito?
(São só questionamentos, não estou aqui afirmando que isso ocorra, mas que há
essa possibilidade). Lembro-me da surpresa que tive de uma pessoa muito
conhecida no mundo jurídico afirmar que deixou a carreira para manter os
cursinhos preparatórios, pois são muito mais lucrativos. Essa é a realidade, o
transmitir conhecimento está atrás do real interesse, lucros.
Neste ínterim, há uma questão da qual repudio. Pessoas das classes D e E
continuarão sendo raríssimas exceções na profissão de advogados. Estes lutam a
vida toda. Tem a obrigação de estudar em escolas fundamentais e de ensino médio
com uma péssima qualidade de ensino (especialmente do ensino público), que não
tem culpa disso, pois é a realidade do Brasil Após isso estudam do jeito que
podem para entrar numa faculdade, e normalmente pensam também na faculdade de
Direito, que sempre foi e sempre será cobiçada (trata-se de cunho histórico. Qual
família não gostaria de ter um médico ou advogado entre os seus membros? Isso
vem desde a colônia brasileira, para não dizer de tempos muito antes). Após
luta para entrar na faculdade, encontra mais uma barreira, o nível das aulas já
começa maior do que a sua capacidade cognitiva. Mesmo assim vai aprendendo aos
poucos e se familiariza com os estudos. Eles não tem culpa do ensino público do
país ser abaixo do necessário. Passa no mínimo 5 anos na faculdade e quando
termina encontra mais um óbice, o Exame de Ordem.
Daí qual a parte que vocês poderiam perguntar acerca do meu repúdio? Por ter
que passar por um Exame de Ordem? É claro que não. Meu repúdio está na
possibilidade do péssimo ensino ser proposital para que as mesmas pessoas façam
um cursinho preparatório para o Exame, além do valor exorbitante que é cobrado
para fazer a prova. Façam uma comparação da aprovação de candidatos que fizeram
cursinhos e dos que não fizeram. O número é quase total daqueles que fizeram um
tipo de cursinhos serem aprovados, enquanto os que não fizeram serem reprovados.
Os cursinhos precisam ser custeados, razão pela qual os cidadãos das classes D
e E continuam sendo exceções, pois não tem condições econômico-financeiras para
isso. Passam a ter mais uma luta da tentativa do estudo sozinho, sem falar que
dificilmente terão prática jurídica (mesmo em fase de estágio), por não terem
conhecimentos pessoais. A prática é que faz o estudioso compreender melhor a
matéria.
Daí muitos perguntariam: E os Núcleos de Prática Jurídica (NPJ)? – respondo:
já repararam no nível desses NPJs? Cada vez pior. A maioria dos advogados não
quer nem participar desses núcleos. Quase a totalidade afirma que só faz parte
dos NPJs exclusivamente pelo dinheiro que recebe (mais uma vez o pensamento é só
pelos lucros, e não no ideal de justiça pela qual juraram na formatura. Aliás,
parece que o juramento dos formados em Direito e Medicina é só “da boca para
fora”). São raros os núcleos de prática jurídicas que realmente lecionem, mesmo
assim, todos são limitados à determinadas áreas jurídicas, normalmente só
recebem ações civis (de baixa complexidade), penais (habeas corpus e relaxamento de prisão) e algumas causas
trabalhistas. Nunca vi faculdade que tenha NPJ exercendo o Direito
Administrativo, Tributário, Empresarial, entre outros.
O óbice do Exame de Ordem é pior para essas pessoas (classes baixas)
justamente pelas dificuldades que a própria vida já os impõe. Com o passar do
tempo, e a reprovação no exame o mesmo fica sem profissão e a cada dia que
passa esquecendo o que tinha aprendido (até pelo fato de não terem como
estudar, não terem livros, etc.). Perguntaram-me: não existem bibliotecas?
Existem, mas quem custeará a condução para se chegar numa biblioteca? (poucos
ainda podem fazer isso ou tem uma biblioteca próxima). E os livros cada vez
mais defasados nas bibliotecas dessas faculdades? (passando por algumas
bibliotecas que me informaram, verifiquei que a maioria sequer tinha uma edição
de 2011 de um livro, imagine. Pior ainda é verificar o acervo de livros de
Direito Civil de 1998, quando ainda regia-se pelo Código Civil de Beviláqua. Certo
que se pode estudar por comparação e ainda há casos na justiça brasileira que são
regidos pelo Códex Civilista antigo,
mas tendo-se como se comparar com os atualizados).
Os ricos e abastados têm outra história por trás de tudo isso. Eles têm
condições de comprar livros e ter acervos cada vez mais atualizados. A maioria
não tem dificuldade para encontrar estágio (remunerado, ainda mais), pois tem
sempre “alguém conhecido”, o que não os faz terem necessidade do NPJ da
faculdade. Estes têm os olhos da maioria dos professores, que os bajulam.
Com a proliferação das faculdades quem tem mais a perder são os pobres
mesmo, que pensam que poderão ser alguma coisa na vida ter uma profissão
estigmatizada como uma das mais nobres do país (e também estigmatizada por
outros adjetivos). Os pobres não têm culpa por terem uma educação péssima
aplicada pelo poder público e de sonhar com a profissão de advogado. De achar
que estão estudando em algo autorizado e reconhecido com a capacidade de
transformá-lo em um profissional e acabar encontrando uma barreira seletiva não
natural.
Não quero dizer que o Exame tenha que acabar, ao contrário, sempre achei e
ainda acho que o Exame de Ordem é necessário, mas não como um poder de seleção
(reserva de mercado), mas como verificador de suficiência. Para isso faz mister
uma atuação mais ativa dos órgãos e das pessoas coligadas para que a educação
seja melhor, desde o início, no ensino fundamental. Porém, o tempo já passou, e
fazer todos os que já tiveram uma educação péssima voltar ao fundamental é
depreciativo e fere de morte a dignidade da pessoa humana. Para isso a OAB,
como senhora da verdade do mundo jurídico, deveria ao menos tentar cassar as
autorizações e os reconhecimentos das faculdades que não são dignas de preparar
o cidadão para a profissão, não tendo como fundamento a reprovação no exame,
pois este não mede a capacidade laborativa.
O que se quer é um Exame justo, com valor acessível. Justo para todos. Por
falar em acessível, poderiam perguntar sobre a isenção. Alguém de cidade “pequena”
(até de cidade grande e tumultuada) já tentou se inscrever no tal “CadÚnico”? É
uma verdadeira burocracia e m descaso com o cidadão. Como se não bastasse,
muitos se inscrevem e tem suas isenções indeferidas e ninguém sabe o real
motivo. Voltando ao valor, 200 reais é muito para uma prova, os gastos não
chegam nem a metade disso.
O que quero dizer com tudo isso e o que tem a ver com a novela?
Bem, a novela terá um personagem rico que não é comprometido com os estudos
(como já falei acima). De certo alguém que não é comprometido não merece nem
deve exercer a profissão de advocacia, que é essencial para a sociedade. Porém,
a reprovação no Exame não é somente para os descomprometidos, tampouco os
aprovados no Exame são comprometidos e são bons profissionais.
Muitos que são reprovados no Exame têm a capacidade mínima, às vezes até máxima,
para a profissionalização, mas por motivos “N” não conseguem ser aprovados num
Exame de Ordem que não busca a suficiência (é só observar cada vez mais a
utilização de regras e leis muito específicas, com intuito meramente de reprovar
mesmo) de quem pretende ser profissional, mas uma forma de exclusão e seleção
de alguns. Para confirmar isso, é só verificar o número de juristas que já
foram reprovados em Exame de Ordem, mas já foram e exercem funções de
Promotores, Magistrados, Defensores, etc.
Por outro lado, muitos que são aprovados no Exame viram advogados e param
com os estudos, com o “comprometimento” que tiveram exclusivamente para a
aprovação numa prova. Muitos passaram por aprenderem ao “macetes” dos cursinhos
preparatórios e até receberem algumas questões das provas (não há quem me faça acreditar
que alguns cursinhos acertaram em simulados as questões idênticas ou muito
semelhantes das provas oficiais, inclusive perguntas com especificidades
gritantes). Após a aprovação vão ser “apenas profissionais” e cometem erros
gritantes. O que comprova também que passar no Exame não significa muito. É
preciso primeiro parar de pensar que se deve estudar para passar, mas estudar
para aprender e para praticar (especialmente a Ética). Melhor ainda, não
estudar para passar, mas até passar e após passar, estudar sempre.
Que a novela não faça dos bacharéis em Direito em pessoas estigmatizadas
pela preguiça do seu personagem e faça do tema algo mais condizente com toda a
realidade. Que possa ser mostrado que realmente há faculdades com ensinos aquém
do necessitado, mas que há muitas que exercem muito bem a sua função. Que há
barreiras para que pobres exerçam a função “nobre da advocacia” e não apenas
mais um riquinho que fora reprovado. Que mostre que o Exame não é suficiência,
mas uma forma de barreira, mesmo que necessária por alguns fatos, mas que ele
somente não bastaria, e sim uma atuação maior dos órgãos para a qualificação
profissional e educacional, não só jurídica, mas de todas as áreas. Que mostre também
a falta de compromisso dos próprios advogados no exercício extra funcional (o
de professor). Aqui eu faço uma pergunta: Cabe à OAB punir o advogado que
leciona no ensino jurídico sem a devida qualidade? (não sei responder isso, mas
que acho antiético uma pessoa que sabe ser incapaz de ensinar fazer isso,
acho).
E mais uma pergunta: Alguém pode ser responsabilizado pelo prejuízo que os bacharéis em Direito tiveram por não alcançarem o sonho da profissão na qual um órgão (MEC) afirma teria ao terminar uma faculdade que supostamente teria condições de prepará-los para a profissão? Afinal de contas, mesmo se fosse pela péssima qualidade (e se fosse só isso), a culpa não seria deles, pois acreditaram naqueles que tem o poder de atestar a qualidade. (Punição a quem deva ser punido).
Sonho ainda com um dia em que os colegas juristas (muitos
que sentem o prazer em dizer que serão futuros colegas por estes não ter uma
profissão, ainda) procurem não pensar no Exame como uma ferramenta de contenção
do número de advogados, mas de verificar se os bacharéis têm a qualidade mínima
para exercer a profissão que só aprenderá realmente, com a prática. Pouco
importa se 100 mil ou 1 milhão sejam profissionais, desde que todos tenham
qualidade. E que reconheçam que o Exame precisa muito ser aperfeiçoado.
Sonho ainda com o dia em que o mundo jurídico realmente se
aproxime dos desprovidos de riqueza. Que se chegue aos pobres o conhecimento
jurídico para que os mesmos possam entender dos seus direitos.
PS.: Aos juristas que sentem o prazer em menosprezar os
colegas juristas por “ainda não serem advogados” ou não terem uma profissão/cargo,
uma lição da Majestosa Fernanda Montenegro. No Curso de Teatro da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), a famosa atriz negou-se a dar um autógrafo a um aluno
da universidade. Este aluno ficou revoltado com a atitude da artiz e passou a chamá-la
de mercenária e egoísta. Minutos depois, na palestra que a Grande Atriz
Brasileira conduziu, ela explana com as seguintes palavras: “Hoje me bati com
um colega que estuda nessa faculdade que queria um autógrafo meu quando me
neguei a dar. Não é por nada, mas me recuso a dar autógrafos a colegas de
trabalho. Não sou melhor nem pior do que ninguém. Não sou mais atriz, nem
melhor atriz que nenhum de vocês, apenas sou mais conhecida e tive mais
oportunidades”. O aluno ouviu e ainda não satisfeito externou: “Mas eu não sou
seu colega ainda, sou apenas um estudante de teatro”. E ela retrucou: “O fato
de você ainda está estudando não o faz ser futuro colega, mas o faz colega
desde já, afinal, quem já tem a profissão também continua sendo estudante”.
PS.²: Não quero que entendam que isso é uma crítica à OAB em
si, nem a ninguém em específico, só quero ter a chance de criar um verdadeiro
debate sobre o tema. Que o sol possa brilhar para todos e não só para uns.
PS.³: Nem vou entrar em vários outros detalhes que acho deploráveis sobre o assunto. Só para constar um, o Presindente de uma Seccional da OAB que cria um artigo defendendo o Exame de Ordem. Artifo este em que o mesmo diz que a OAB é uma autarquia. Certamente o douto Presidente sabe mais do que os que foram reprovados e tem conhecimento da ADIN 3026 em que o STF decidiu que a OAB não é autarquia, e, por consequência, não pertence à Administração Direta ou Indireta. A OAB é uma personalidade jurídica sui generis que exerce um serviço público indispensável para a sociedade e para a justiça. Não relatarei o nome do presidente da seccional nem o artigo, mas está no próprio sítio da OAB Federal e é deste ano. Talvez tenha sido apenas o esquecimento por parte do Presidente da decisão de 2006 (coisa que o candidato ao Exame não tem o luxo de ter, esquecer de algo durante a prova).
Falo isso por ter ficado revoltado com o número de artigos criados diariamente em defesa do Exame quando fora admitida repercussão geral no STF e qua há a possibilidade de extinguí-lo. Se é inonstitucional ou não o STF vai dizer e pronto. E outros criados em favor da extinção. Mas como quem contra eles não podem, aqui estou eu me juntando e escrevendo sobre o tema (pausa para os risos).
Para aqueles que não sabiam ainda que a OAB não é autarquia e queiram ler a ementa e o Acórdão, segue o link com pdf: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363283
Espero comentários.
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