quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Exame de Ordem vira tema de novela

Dia 26 de setembro começa uma nova novela da Rede Globo. Entre os temas abordados está o Exame de Ordem e a necessidade de aprovação para exercer a profissão de advogado.

O tema pode ser importante, mas corre sérios riscos, a depender do desenrolar da trama. O personagem será Marcos, vivido por Angelo Antônio. Ele teria feito um acordo com a esposa de que cuidaria da família (casa e filhos) enquanto a mulher trabalharia para sustentar. Acontece que, como na vida real, o status financeiro da família não permanece o mesmo com o decorrer dos anos. Pela necessidade de maior poder aquisitivo para a manutenção da família e os aumentos dos gastos, a esposa passa a pedir ao marido que o ajude nas despesas da casa. Todavia, ele precisa passar no Exame de Ordem da OAB para ter uma profissão.

Como já transmitido nos folhetins, a personagem da esposa critica o marido por ser preguiçoso e não se esforçar para ser aprovado no Exame. Este é o problema, a possibilidade de estigmatização dos reprovados no Exame de Ordem. Corre o risco de todos os reprovados passarem a ser taxados de “preguiçosos” e “descomprometidos com os estudos”, o que não é verdade.

O jeito é esperar para ver o que a forma como a trama das seis abordará. Sabemos ainda que, com os episódios e a audiência, os rumos dos personagens sempre mudam. Pode ser que o tema do Exame de Ordem seja somente inicial, ou que seja tratado na trama toda. Pode ser que coloquem outros personagens passando pelo mesmo problema da reprovação no Exame, mas sem serem preguiçosos. Isso dependerá da boa vontade dos autores, da rede televisiva, e também da audiência. Vamos ter que esperar mesmo.

Mas falando sobre o Exame. De fato, há muitos descomprometidos com os estudos que são reprovados no Exame de Ordem, além de faculdades que não ensinam corretamente, nem preparam seus acadêmicos para o mundo do trabalho. Mas custa dizer que isso é da extrema maioria. Há muitas conotações acerca do Exame de Ordem que muitos não querem falar.

O mercado de trabalho está saturado. Disso a maioria já sabe. Mas o fato de dizer que as faculdades não preparam os acadêmicos para o trabalho é contestável. A Ordem dos Advogados do Brasil exerce um poder ímpar na sociedade. É a única ordem (ou classe trabalhista) referenciada na Constituição Federal. Tal acontecimento se faz devido à extrema necessidade da imperiosidade da justiça. Esta Ordem tem o dever, inclusive, de corroborar com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) na aprovação das faculdades. Isso se faz por meio de pareceres. A OAB se queixa de muitas faculdades terem suas autorizações e reconhecimentos sem o aval da OAB, que dá parecer contrário. Todavia, há de se questionar os reais motivos dos pareceres desfavoráveis. Se os mesmos são meramente com cunho políticos ou sociais. Caso sejam pela falta de qualidade estrutural ou física, estas faculdades sequer deveriam ser autorizadas, muito menos reconhecidas. Caso tenham cunho político ou de perseguição, pode ser averiguado.

O que há de se questionar é o que a OAB faz para cassar estas faculdades. Não vejo sendo feito nada. Desconheço qualquer tipo de Ação Judicial para fechar essas mantenedoras da péssima qualidade de ensino. Então, a OAB tem o Exame de Ordem, que com a reprovação, cada vez maior, serve de escopo para a manutenção do próprio Exame. (Obs.: se alguém conhece alguma ação judicial da OAB para fechar alguma faculdade em que deu o parecer desfavorável para autorização e reconhecimento que, por favor, avise. Estarei de prontidão para me redimir pela falta de conhecimento específico).

Outro ponto intrigante é que a maioria dos professores dessas faculdades são advogados. Muitos são juristas de outras profissões (tecnicamente seriam cargos, vistos que são todos públicos, já que a única profissão privada exercida por um bacharel em Direito é a advocacia). Estes professores (advogados e demais juristas) estariam desqualificados para lecionarem os acadêmicos de Direito a terem uma dignidade mínima para o exercício da profissão? Por que estes professores aprovariam seus alunos se entendem que eles não estão preparados? Em que lugar ficou a Ética profissional da busca da justiça? Mas eles são advogados, pertencem ao quadro da Ordem (mesmo os de alguns cargos, como Defensores Públicos, Advogados da União, etc.). Estão aí alguns dos motivos pelo qual podem ser mantidas as faculdades mequetrefes. Ninguém quer tirar alguma vantagem daqueles que são seus.

E quem não apostaria na péssima qualidade do ensino mercadológico? Digo, alguém já reparou que muitos dos mantenedores das faculdades de Direito tem seus próprios cursinhos preparatórios ou coligações com os mesmos? Será que o mau ensino não é proposital para a manutenção da máquina de cursinhos existentes no país e crescem na mesma tomada do crescimento absurdo de faculdades de Direito? (São só questionamentos, não estou aqui afirmando que isso ocorra, mas que há essa possibilidade). Lembro-me da surpresa que tive de uma pessoa muito conhecida no mundo jurídico afirmar que deixou a carreira para manter os cursinhos preparatórios, pois são muito mais lucrativos. Essa é a realidade, o transmitir conhecimento está atrás do real interesse, lucros.

Neste ínterim, há uma questão da qual repudio. Pessoas das classes D e E continuarão sendo raríssimas exceções na profissão de advogados. Estes lutam a vida toda. Tem a obrigação de estudar em escolas fundamentais e de ensino médio com uma péssima qualidade de ensino (especialmente do ensino público), que não tem culpa disso, pois é a realidade do Brasil Após isso estudam do jeito que podem para entrar numa faculdade, e normalmente pensam também na faculdade de Direito, que sempre foi e sempre será cobiçada (trata-se de cunho histórico. Qual família não gostaria de ter um médico ou advogado entre os seus membros? Isso vem desde a colônia brasileira, para não dizer de tempos muito antes). Após luta para entrar na faculdade, encontra mais uma barreira, o nível das aulas já começa maior do que a sua capacidade cognitiva. Mesmo assim vai aprendendo aos poucos e se familiariza com os estudos. Eles não tem culpa do ensino público do país ser abaixo do necessário. Passa no mínimo 5 anos na faculdade e quando termina encontra mais um óbice, o Exame de Ordem.

Daí qual a parte que vocês poderiam perguntar acerca do meu repúdio? Por ter que passar por um Exame de Ordem? É claro que não. Meu repúdio está na possibilidade do péssimo ensino ser proposital para que as mesmas pessoas façam um cursinho preparatório para o Exame, além do valor exorbitante que é cobrado para fazer a prova. Façam uma comparação da aprovação de candidatos que fizeram cursinhos e dos que não fizeram. O número é quase total daqueles que fizeram um tipo de cursinhos serem aprovados, enquanto os que não fizeram serem reprovados. Os cursinhos precisam ser custeados, razão pela qual os cidadãos das classes D e E continuam sendo exceções, pois não tem condições econômico-financeiras para isso. Passam a ter mais uma luta da tentativa do estudo sozinho, sem falar que dificilmente terão prática jurídica (mesmo em fase de estágio), por não terem conhecimentos pessoais. A prática é que faz o estudioso compreender melhor a matéria.

Daí muitos perguntariam: E os Núcleos de Prática Jurídica (NPJ)? – respondo: já repararam no nível desses NPJs? Cada vez pior. A maioria dos advogados não quer nem participar desses núcleos. Quase a totalidade afirma que só faz parte dos NPJs exclusivamente pelo dinheiro que recebe (mais uma vez o pensamento é só pelos lucros, e não no ideal de justiça pela qual juraram na formatura. Aliás, parece que o juramento dos formados em Direito e Medicina é só “da boca para fora”). São raros os núcleos de prática jurídicas que realmente lecionem, mesmo assim, todos são limitados à determinadas áreas jurídicas, normalmente só recebem ações civis (de baixa complexidade), penais (habeas corpus e relaxamento de prisão) e algumas causas trabalhistas. Nunca vi faculdade que tenha NPJ exercendo o Direito Administrativo, Tributário, Empresarial, entre outros.

O óbice do Exame de Ordem é pior para essas pessoas (classes baixas) justamente pelas dificuldades que a própria vida já os impõe. Com o passar do tempo, e a reprovação no exame o mesmo fica sem profissão e a cada dia que passa esquecendo o que tinha aprendido (até pelo fato de não terem como estudar, não terem livros, etc.). Perguntaram-me: não existem bibliotecas? Existem, mas quem custeará a condução para se chegar numa biblioteca? (poucos ainda podem fazer isso ou tem uma biblioteca próxima). E os livros cada vez mais defasados nas bibliotecas dessas faculdades? (passando por algumas bibliotecas que me informaram, verifiquei que a maioria sequer tinha uma edição de 2011 de um livro, imagine. Pior ainda é verificar o acervo de livros de Direito Civil de 1998, quando ainda regia-se pelo Código Civil de Beviláqua. Certo que se pode estudar por comparação e ainda há casos na justiça brasileira que são regidos pelo Códex Civilista antigo, mas tendo-se como se comparar com os atualizados).

Os ricos e abastados têm outra história por trás de tudo isso. Eles têm condições de comprar livros e ter acervos cada vez mais atualizados. A maioria não tem dificuldade para encontrar estágio (remunerado, ainda mais), pois tem sempre “alguém conhecido”, o que não os faz terem necessidade do NPJ da faculdade. Estes têm os olhos da maioria dos professores, que os bajulam.

Com a proliferação das faculdades quem tem mais a perder são os pobres mesmo, que pensam que poderão ser alguma coisa na vida ter uma profissão estigmatizada como uma das mais nobres do país (e também estigmatizada por outros adjetivos). Os pobres não têm culpa por terem uma educação péssima aplicada pelo poder público e de sonhar com a profissão de advogado. De achar que estão estudando em algo autorizado e reconhecido com a capacidade de transformá-lo em um profissional e acabar encontrando uma barreira seletiva não natural.

Não quero dizer que o Exame tenha que acabar, ao contrário, sempre achei e ainda acho que o Exame de Ordem é necessário, mas não como um poder de seleção (reserva de mercado), mas como verificador de suficiência. Para isso faz mister uma atuação mais ativa dos órgãos e das pessoas coligadas para que a educação seja melhor, desde o início, no ensino fundamental. Porém, o tempo já passou, e fazer todos os que já tiveram uma educação péssima voltar ao fundamental é depreciativo e fere de morte a dignidade da pessoa humana. Para isso a OAB, como senhora da verdade do mundo jurídico, deveria ao menos tentar cassar as autorizações e os reconhecimentos das faculdades que não são dignas de preparar o cidadão para a profissão, não tendo como fundamento a reprovação no exame, pois este não mede a capacidade laborativa.

O que se quer é um Exame justo, com valor acessível. Justo para todos. Por falar em acessível, poderiam perguntar sobre a isenção. Alguém de cidade “pequena” (até de cidade grande e tumultuada) já tentou se inscrever no tal “CadÚnico”? É uma verdadeira burocracia e m descaso com o cidadão. Como se não bastasse, muitos se inscrevem e tem suas isenções indeferidas e ninguém sabe o real motivo. Voltando ao valor, 200 reais é muito para uma prova, os gastos não chegam nem a metade disso.

O que quero dizer com tudo isso e o que tem a ver com a novela?
Bem, a novela terá um personagem rico que não é comprometido com os estudos (como já falei acima). De certo alguém que não é comprometido não merece nem deve exercer a profissão de advocacia, que é essencial para a sociedade. Porém, a reprovação no Exame não é somente para os descomprometidos, tampouco os aprovados no Exame são comprometidos e são bons profissionais.

Muitos que são reprovados no Exame têm a capacidade mínima, às vezes até máxima, para a profissionalização, mas por motivos “N” não conseguem ser aprovados num Exame de Ordem que não busca a suficiência (é só observar cada vez mais a utilização de regras e leis muito específicas, com intuito meramente de reprovar mesmo) de quem pretende ser profissional, mas uma forma de exclusão e seleção de alguns. Para confirmar isso, é só verificar o número de juristas que já foram reprovados em Exame de Ordem, mas já foram e exercem funções de Promotores, Magistrados, Defensores, etc.

Por outro lado, muitos que são aprovados no Exame viram advogados e param com os estudos, com o “comprometimento” que tiveram exclusivamente para a aprovação numa prova. Muitos passaram por aprenderem ao “macetes” dos cursinhos preparatórios e até receberem algumas questões das provas (não há quem me faça acreditar que alguns cursinhos acertaram em simulados as questões idênticas ou muito semelhantes das provas oficiais, inclusive perguntas com especificidades gritantes). Após a aprovação vão ser “apenas profissionais” e cometem erros gritantes. O que comprova também que passar no Exame não significa muito. É preciso primeiro parar de pensar que se deve estudar para passar, mas estudar para aprender e para praticar (especialmente a Ética). Melhor ainda, não estudar para passar, mas até passar e após passar, estudar sempre.

Que a novela não faça dos bacharéis em Direito em pessoas estigmatizadas pela preguiça do seu personagem e faça do tema algo mais condizente com toda a realidade. Que possa ser mostrado que realmente há faculdades com ensinos aquém do necessitado, mas que há muitas que exercem muito bem a sua função. Que há barreiras para que pobres exerçam a função “nobre da advocacia” e não apenas mais um riquinho que fora reprovado. Que mostre que o Exame não é suficiência, mas uma forma de barreira, mesmo que necessária por alguns fatos, mas que ele somente não bastaria, e sim uma atuação maior dos órgãos para a qualificação profissional e educacional, não só jurídica, mas de todas as áreas. Que mostre também a falta de compromisso dos próprios advogados no exercício extra funcional (o de professor). Aqui eu faço uma pergunta: Cabe à OAB punir o advogado que leciona no ensino jurídico sem a devida qualidade? (não sei responder isso, mas que acho antiético uma pessoa que sabe ser incapaz de ensinar fazer isso, acho). 

E mais uma pergunta: Alguém pode ser responsabilizado pelo prejuízo que os bacharéis em Direito tiveram por não alcançarem o sonho da profissão na qual um órgão (MEC) afirma teria ao terminar uma faculdade que supostamente teria condições de prepará-los para a profissão? Afinal de contas, mesmo se fosse pela péssima qualidade (e se fosse só isso), a culpa não seria deles, pois acreditaram naqueles que tem o poder de atestar a qualidade. (Punição a quem deva ser punido).

Sonho ainda com um dia em que os colegas juristas (muitos que sentem o prazer em dizer que serão futuros colegas por estes não ter uma profissão, ainda) procurem não pensar no Exame como uma ferramenta de contenção do número de advogados, mas de verificar se os bacharéis têm a qualidade mínima para exercer a profissão que só aprenderá realmente, com a prática. Pouco importa se 100 mil ou 1 milhão sejam profissionais, desde que todos tenham qualidade. E que reconheçam que o Exame precisa muito ser aperfeiçoado.

Sonho ainda com o dia em que o mundo jurídico realmente se aproxime dos desprovidos de riqueza. Que se chegue aos pobres o conhecimento jurídico para que os mesmos possam entender dos seus direitos.

PS.: Aos juristas que sentem o prazer em menosprezar os colegas juristas por “ainda não serem advogados” ou não terem uma profissão/cargo, uma lição da Majestosa Fernanda Montenegro. No Curso de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a famosa atriz negou-se a dar um autógrafo a um aluno da universidade. Este aluno ficou revoltado com a atitude da artiz e passou a chamá-la de mercenária e egoísta. Minutos depois, na palestra que a Grande Atriz Brasileira conduziu, ela explana com as seguintes palavras: “Hoje me bati com um colega que estuda nessa faculdade que queria um autógrafo meu quando me neguei a dar. Não é por nada, mas me recuso a dar autógrafos a colegas de trabalho. Não sou melhor nem pior do que ninguém. Não sou mais atriz, nem melhor atriz que nenhum de vocês, apenas sou mais conhecida e tive mais oportunidades”. O aluno ouviu e ainda não satisfeito externou: “Mas eu não sou seu colega ainda, sou apenas um estudante de teatro”. E ela retrucou: “O fato de você ainda está estudando não o faz ser futuro colega, mas o faz colega desde já, afinal, quem já tem a profissão também continua sendo estudante”.

PS.²: Não quero que entendam que isso é uma crítica à OAB em si, nem a ninguém em específico, só quero ter a chance de criar um verdadeiro debate sobre o tema. Que o sol possa brilhar para todos e não só para uns.

PS.³: Nem vou entrar em vários outros detalhes que acho deploráveis sobre o assunto. Só para constar um, o Presindente de uma Seccional da OAB que cria um artigo defendendo o Exame de Ordem. Artifo este em que o mesmo diz que a OAB é uma autarquia. Certamente o douto Presidente sabe mais do que os que foram reprovados e tem conhecimento da ADIN 3026 em que o STF decidiu que a OAB não é autarquia, e, por consequência, não pertence à Administração Direta ou Indireta. A OAB é uma personalidade jurídica sui generis que exerce um serviço público indispensável para a sociedade e para a justiça. Não relatarei o nome do presidente da seccional nem o artigo, mas está no próprio sítio da OAB Federal e é deste ano. Talvez tenha sido apenas o esquecimento por parte do Presidente da decisão de 2006 (coisa que o candidato ao Exame não tem o luxo de ter, esquecer de algo durante a prova).
Falo isso por ter ficado revoltado com o número de artigos criados diariamente em defesa do Exame quando fora admitida repercussão geral no STF e qua há a possibilidade de extinguí-lo. Se é inonstitucional ou não o STF vai dizer e pronto. E outros criados em favor da extinção. Mas como quem contra eles não podem, aqui estou eu me juntando e escrevendo sobre o tema (pausa para os risos).

Para aqueles que não sabiam ainda que a OAB não é autarquia e queiram ler a ementa e o Acórdão, segue o link com pdf: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363283

Espero comentários.

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